quinta-feira, 29 de março de 2007

O perigo das pedras da Ponta do Urucuri


A bacia hidrográfica do Rio Arapiuns está quase totalmente dentro do Município de Santarém, à exceção das cabeceiras dos rios Maró e Aruã, seus formadores (estas estão localizadas no Município de Juruti).

Às margens do Rio Arapiuns estão localizadas mais de trinta vilas/comunidades, total superando 20 mil habitantes só na margem direita, na Reserva Extrativista Arapiuns-Tapajós. O único meio de acesso destes comunitários à sede do município é via transporte fluvial pelo Rio Arapiuns. Os comunitários trazem seus produtos para comercialização em Santarém (frutas, animais de criação para abate, farinha, canoas, madeira semi-aparelhada) e, com os recursos assim obtidos, além dos benefícios sociais e aposentadorias, compram ou trocam e levam às comunidades produtos industrializados (vestuário, alimentos, remédios, utensílios domésticos) e combustíveis (gasolina, querosene, óleo diesel, álcool, gás de cozinha).

São cerca de vinte pequenas embarcações operando o transporte fluvial pelo Rio Arapiuns a partir de Santarém, cada embarcação realizando duas viagens semanais de ida e volta, transportando, em média, vinte e dois passageiros cada, atingindo mais de sete mil passageiros mensais (4,3 semanas por mês).

O Rio Arapiuns é o maior afluente do Rio Tapajós e tem a sua foz determinada, na sua margem direita, pela Ponta do Urucuri. Defronte à Ponta do Urucuri há pedras que constituem um perigo à navegação. O Rio Arapiuns não está cartografado para navegação nem é sinalizado.

Próximo à foz do Rio Arapiuns não há nenhuma comunidade com iluminação que possa servir de referência para navegação nesta área (na verdade não há comunidades com luz firme durante toda noite ao longo do rio). Em noites sem luar ou com cobertura de nuvens a visibilidade é praticamente nula. As condições de tempo podem mudar rapidamente surpreendendo as embarcações já em trânsito.

As embarcações que empreendem o transporte fluvial na região amazônica, mesmo as maiores, não contam com equipamentos sofisticados de navegação como o Radar ou GPS, contam, na sua maioria, porém nem todos, com o auxílio de farol.

A navegação estimada fica prejudicada pela falta de visibilidade de pontos de referência para correção dos abatimentos provocados pela correnteza do rio e pelos ventos. Tempestades são comuns nesta região e dependendo da estação do ano, uma realidade diária. Viajando de Santarém para o Rio Arapiuns o último ponto de referência antes da Ponta do Urucuri é a Ponta do Jari, distante 6,7 milhas náuticas, uma viagem de aproximadamente uma hora. Se houver um batimento de 6 graus (aproximadamente 10%) para bombordo a embarcação é levada em direção às pedras. Na época do “verão” (segundo semestre), quando o rio está baixo e o perigo é maior, ventos Alísios quase constantes sopram com rumo entre 240 graus e 260 graus (sudoeste), podendo provocar facilmente este abatimento.

As pedras da Ponta do Urucuri constituem, portanto, um perigo real e sério à navegação no Rio Arapiuns, sendo necessária providência urgente para sua sinalização antes que acidentes com vítimas fatais venham a ocorrer.

Uma Ameaça Globalizada

água de lastro ballast water

Em agosto de 2004 a Revista de Ecologia do Século 21 – ECO21 [1], publicou matéria do jornalista científico Júlio Ottoboni com o título “Navios roubam água do Rio Amazonas”, alertando sobre o fato de navios carregarem água do Rio Amazonas antes de saírem de águas brasileiras, o que se configuraria como um furto de água doce ou, ainda mais grave, junto com o recolhimento da água estaria havendo o recolhimento e furto de espécies aquáticas endêmicas da Amazônia, que seriam transportadas nesta água. Ainda, de acordo com o artigo, cada navio estaria, “segundo cálculos preliminares”, sendo abastecido com 250 milhões de litros de água (250 mil toneladas).

A notícia é importante e merece ser analisada, ainda que a quantidade de água dita sendo transportada não proceda, uma vez que navios que transitam pelo Rio Amazonas transportam, tipicamente, até 60 mil toneladas de carga, muito aquém da quantidade estimada nos “cálculos preliminares”.

O valor da água doce para consumo em países que dependem de desalinizar água do mar é conhecido, o interesse pelas espécies endêmicas da Amazônia e seu valor genético também é sabido e notório, e o cenário descrito no artigo é verossímil e perfeitamente factível.

O fato de haver transporte de água do Rio Amazonas, e de fato há, com as conseqüências relatadas, ainda é, no presente, subsidiária à sua finalidade, a de lastrear os navios dar-lhes estrutura e estabilidade para navegação em alto mar. Nos casos em questão, navios que trazem carregamento para a região amazônica, insumos eletrônicos e combustíveis, para citarmos apenas dois, devem se lastrear para a viagem de retorno quando sem carga.

O mais grave ficou por ser noticiado, que é a situação inversa, quando navios adentram a bacia Amazônica vindo buscar carregamento, bauxita e soja, para citarmos também apenas dois, podendo chegar lastreados com águas de outras regiões da Terra, com características físico-químicas diferentes e nela contendo agentes patogênicos e organismos exóticos à biota local, resultando em risco ecológico que não se prende somente à região amazônica, mas é uma preocupação mundial.

O valor genético das espécies amazônicas reside no seu endemismo, na sua especificidade, na diferença com as espécies de outras regiões da Terra. O endemismo ocorre devido às características particulares de um ecossistema, o qual, se alterado, compromete a sobrevivência das espécies a ele adaptadas, levando muitas delas à extinção. O derrame de água de lastro, se feito sem controle, de maneira incompetente ou irresponsável, pode resultar em desastre ecológico irreparável. É consenso internacional que o derrame de água de lastro pode ser uma ameaça maior do que aquela associada a um derrame de óleo pois estes têm conseqüências limitadas no tempo.

A resposta internacional ao problema da água de lastro é a iniciativa conjunta da International Maritime Organization - IMO, da Global Environment Facility – GEF e do United Nations Development Programme – UNDP, que buscam minimizar os efeitos da descarga de água de lastro de maneira inadequada, resultando na Convenção Internacional Sobre Controle e Gestão da Água de Lastro e Sedimentos de Navios, da qual o Brasil é signatário. Dentre os procedimentos previstos pela Convenção, estão o tratamento químico da água de lastro, sua retirada para reservatórios apropriados ou a troca de lastro sob condições controladas.

A resposta brasileira a este problema é a regulamentação dos procedimentos através da Norma da Autoridade Marítima para o Gerenciamento da Água de Lastro de Navios, a NORMAM-20 [2]. De modo geral a Norma preconiza a troca controlada da água de lastro trazida pelo navio por água da região próxima ao porto de destino em local a pelo menos duzentas milhas da terra mais próxima e com pelo menos duzentos metros de profundidade, ou seja, no limite da plataforma continental. Em seu capítulo terceiro, que trata de situações particulares, instrui também, para navios que demandam o Rio Amazonas, duas trocas da água de lastro, a primeira visando evitar a transferência de exóticos e/ou patogênicos, a ser realizada segundo as diretrizes gerais, e uma segunda troca, visando a redução da salinidade da água de lastro, que deve ser realizada nas proximidades de Macapá.

O problema requer a conscientização das pessoas envolvidas com água de lastro, treinamento de marítimos e funcionários de terminais portuários, acompanhamento e fiscalização. As transferências de água de lastro e suas conseqüências serão, possivelmente, o maior desafio que a indústria da navegação enfrentará neste século.

Endemismo: fenômeno da distribuição das espécies (ou subespécies) animais ou vegetais referida a uma área restrita e mais ou menos isolada (Glossário da Embrapa)

Endêmicas: são as espécies características de um local ou região geográfica (Glossário da Embrapa)

[1] Ottoboni, J. Navios roubam água do Rio Amazonas - Revista de Ecologia do Século 21 Edição 93 Tricontinental Editora Ltda. Rio de Janeiro RJ 2004

[2] Stopping the ballast water stowaways! - International Maritime Organization - IMO, Global Environment Facility – GEF, United Nations Development Programme – UNDP London United Kingdom 2001

[3] Norma da Autoridade Marítima para o Gerenciamento da Água de Lastro de Navios – NORMAM-20 - Diretoria de Portos e Costas – Marinha do Brasil Rio de Janeiro RJ 2005*

Publicado no "Jornal das Águas", Edição 23, Coordenação de Extensão do ILES/ULBRA - Santarém, PA

quarta-feira, 21 de março de 2007

Rio Arapiuns

enquanto isto, em Urucureá ...

Foto: Nelson Wisnik, (C) 2007

trecho do Rio Tapajós

Lago das Piranhas e Ponta do Cururú
vistos da Serra de Alter do Chão


Foto: Nelson Wisnik, (C) 2005

Nela, em se plantando, nem tudo dá ...

jirau para hortaliças em residência no lago Maicá

Parodiando a famosa frase de Pero Vaz de Caminha em sua carta a el-rei Dom Manuel, “Nela, em se plantando, tudo dá” ("E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem." [1]), criando o primeiro paradigma agrícola do Brasil, tão forte que ainda há quem nele acredite mas, nela em se plantando, nem tudo dá.

Fazendo uma digressão, sugiro a leitura do editorial de Carlos Vogt na Revista Eletrônica de Jornalismo Científico ComCiência [2], no qual comenta sobre a carta de Caminha e de outros viajantes, contextualizando historicamente.

Com relação à soja e ao clima, um estudo importante foi publicado em 2002 pelo GTZ – Agência de Cooperação Técnica Alemanha Brasil [3], alerta que apenas até os limites da fronteira conhecida como “arco do desmatamento” as condições de pluviosidade satisfazem os requisitos para implantação de cultura mecanizada de soja.

Não é por acaso que os produtores rurais de soja na região do Oeste do Pará ainda não conseguiram a produtividade esperada por eles, inviabilizando muitos empreendimentos.

[1] Cortesão, Jaime - "A carta de Pero Vaz de Caminha"Lisboa: Portugália, 1967, pp. 221-57,
apud Darcy Ribeiro &Carlos de Araujo Moreira Neto (orgs.),
A fundação do Brasil:Testemunhos, 1500-1700. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992, pp. 84-91

[2] “Viagem pelas Crônicas” – Vogt, Carlos – Revista Eletrônica de Jornalismo Científico ComCiência N.77 Campinas junho de 2006
http://www.comciencia.br/comciencia/ ?section=8&edicao=14&id=121

[3] "Paisagens, Biodiversidade, Solos e Pluviosidade na Amazônia" - Sombrek, Wim - Cadernos de Cooperação Técnica 02/2002 GTZ Manaus


Foto: Nelson Wisnik, (C) 2007