terça-feira, 20 de março de 2012

os Geoglifos da Amazônia Ocidental

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Em artigo à Revista de Arqueologia, Schaan, D. et al. [1], em um trabalho conjunto da Univ. Fed. do Pará, Univ. Fed. do Acre, Univ. de Helsinque e Prefeitura Municipal de Rio Branco (AC), apresenta um conjunto de evidências arqueológicas, as quais, segundo seu entendimento, contradizem a premissa atualmente aceita do "determinismo ecológico" como fator restritivo ao atingimento de níveis socioculturais complexos por parte das comunidades humanas residentes em áreas de floresta tropical.
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Esse fator ecológico restritivo seria resultante de três condições ambientais: um "estresse climático cíclico", advindo da alternância entre meses de estiagem e de chuvas abundantes, a "pobreza do solo", resultando em baixa produtividade orgânica, e a "escassez de proteína animal", visto que, na Amazônia, a fauna não é abundante e se encontra dispersa nas diferentes sinúsias que lhes servem de nichos alimentares. Nestas condições o sustento da vida seria uma tarefa difícil, uma contínua busca por alimento, restringindo os momentos de reflexão e criatividade, reduzindo seus habitantes humanos a meros "horticultores de coivara semi-sedentários" (agricultura de coivara é aquela na qual uma área da floresta é desmatada e queimada, preparando-a para ser plantada, método ainda muito praticado atualmente), o que é um anacronismo pois, segundo Alexandre Rodrigues Ferreira, a prática da coivara, roçar e queimar, foi introduzida pelos portugueses e, posteriormente, adotada pelos nativos [2].
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Essa corrente de pensamento, que não foi confrontada com argumentos contrários expressivos até meados do século XX, predominava nos estudos sobre a ocupação humana na Amazônia, onde os fatores ecológicos são superlativos.
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Embora Meggers, B.J. [3] venha a admitir, posteriormente, uma diferenciação entre as áreas de várzeas e as de terra firme, mantém-se o fator ecológico restritivo para estas últimas. As várzeas são áreas sazonalmente alagáveis pelos rios de águas brancas (p. ex. rios Amazonas e Madeira) que carreiam grande quantidade de sedimentos, os quais, decantados sobre o solo durante a vazante, o fertilizam. Áreas alagáveis por rios de águas escuras (p. ex. rios Negro e, Trombetas) ou claras (p. ex. rios Tapajós e Xingu), rios estes que não proporcionam a sedimentação, são chamadas igapós.
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Antes do final do século XX, estudos de comunidades do alto Rio Xingu mostraram que estas, embora sediadas em terra firme, desenvolveram alguma complexidade sociocultural relevante, ainda que não ao nível das comunidades das várzeas.
Também, nas duas últimas décadas do século XX foram descobertos, em áreas de terra firme de interflúvios e em cotas elevadas (200m), sítios arqueológicos que apresentam estruturas geométricas de grandes dimensões em formatos circulares, elipsoidais, quadrados, retangulares ou lineares, simples ou compostos, com centenas de metros de extensão, formadas por "trincheiras e montículos" contíguos, sendo estes construídos a partir das escavações daquelas.
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Dentro dos limites dessas estruturas foram encontrados, em diferentes profundidades, fragmentos de cerâmica, instrumentos líticos e ossos, evidenciando sepultamentos cerimoniais. Análises e datação dos achados arqueológicos apontam para ocupação humana prolongada e em diferentes épocas, chegando a vinte séculos pretéritos, caracterizando, ainda, diferentes tradições culturais.
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Várias propostas foram formuladas com relação à motivação para a construção de tais estruturas, as quais, certamente, consumiram grande energia e tempo para sua implantação, entretanto, o cenário montado a partir das evidências espaço-temporais não permite nenhuma conclusão indiscutível.
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Devido às suas grandes dimensões esses sítios arqueológicos passaram a ser chamados geoglifos, são de fácil visualização a partir de um ponto elevado, seja por avião ou mesmo por satélite.
Estruturas com as dimensões encontradas nesses sítios arqueológicos requerem planejamento, logística e grande quantidade de energia física para sua execução, depreendendo-se a necessidade de grande quantidade de pessoas. A disponibilização de pessoas para executar a construção das estruturas requer, por sua parte, disponibilização de alimentos. Assim, certa quantidade de agricultores e caçadores teria que conseguir alimento de maneira superavitária possibilitando sua distribuição aos que trabalhavam na construção das estruturas. Para tanto, o ambiente ecológico de terra firme não poderia, a princípio, ser um fator restritivo, contradizendo a premissa vigente.
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Apesar de suas grandes dimensões os geoglifos somente são observados quando localizados em áreas desmatadas, alguns deles, situados na fronteira entre a floresta e o campo aberto, são observados parcialmente. Não há estimativas de quantos geoglifos ainda estão encobertos pela densa vegetação da floresta.
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Está se procedendo a um esforço para sistematizar os achados quanto às épocas de ocupação e tradições socioculturais mas, embora a quantidade de geoglifos identificados e de materiais coletados seja grande, o trabalho ainda está no início.

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Na foto, obtida a partir do Google Earth, vê-se o Sítio Sapucaia (AC-IQ-12), construído como um quadrado com 125m de lado, onde atualmente passa uma estrada vicinal, a cerca de 3km da rodovia BR-317, não muito longe de Rio Branco, capital do estado. Sua localização geográfica é 9°52’54”S, 67°25’06”W (Datum WGS’84). [4]

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Estudo com novas descobertas sobre os geoglifos foi publicado na revista Nature Communications. [5]

[1] SCHAAN, D. et al. 2007. Geoglifos da Amazônia ocidental: evidência de complexidade social entre povos da terra firme. Revista de Arqueologia, 20: 67-82.
[2] FERREIRA, A.R. 1785. Diário da Viagem Philosophica - Participação Sétima, RIHGB, Vol.49: 198-199
[3] MEGGERS, B.J. 1971. Amazonia: man and culture in a counterfeit paradise. Chicago, Aldine Atherton.
[4] PIVETTA, M. 2011. A Cultura dos Geoglifos. Pesquisa FAPESP, 186: 80-83

[5] de Souza, J.G. et al 2018. Pre-Columbian earth-builders settled along the entire southern rim of the Amazon. Nature Communications Article 1125 (2018)

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