Belém, 01 de outubro de 2015.
Há séculos nós, povos indígenas, desenvolvemos
práticas que hoje são chamadas de agroecológicas. Nossas cosmovisões e saberes
ancestrais, concepções fundantes das histórias que dão origem à existência de
cada um de nossos povos, possuem uma relação intrínseca com os elementos da
natureza, fogo, ar, terra e água.
Com a chegada dos colonizadores, invasores, com
suas naus, exércitos, doenças e propostas estranhas ao nosso modo de vida, o
equilíbrio que antes havia foi se perdendo. Deu-se lugar, de maneira forçada, a
um modo de vida cujo centro pauta-se nos esteios do chamado sistema
capitalista, consumista e produtivista, destruindo nossos rios, florestas e bem
viver.
Junto a isso segue o genocídio de nossos povos.
Desde o período da colonização europeia milhões de parentes foram diretamente
assassinados ou simplesmente expulsos de seus territórios, morrendo lentamente,
mesmo que inúmeras guerras de resistência tenham sido travadas por nossos povos
guerreiros.
Entendemos que não é possível haver verdadeiro
equilíbrio ambiental e agroecologia, sem que antes nossos territórios estejam
demarcados, livres e desimpedidos de intrusos e depredadores da natureza; sem
que nossos povos tenham saúde e educação pautada nos princípios que norteiam
nossas visões de mundo e modo de vida; sem que nossos parentes deixem de ser
mortos por pistoleiros e policiais a mando de madeireiros, fazendeiros,
políticos corruptos e representantes do estado brasileiro.
Entendemos claramente que existe uma conspiração
dos três poderes da república, executivo, legislativo e judiciário, para
eliminar os povos indígenas do território do Brasil. A saída para isso é a
articulação coordenada e ampliada de todos os povos indígenas do país, em uma
luta de resistência e proposição.
O Governo brasileiro tem um discurso que não se
realiza na prática, demonstrando que não possui real interesse pelas causas
indígenas, priorizando os grandes latifundiários e o mercado financeiro, por
isso tem como Ministra da Agricultura uma das maiores latifundiárias e
destruidora das florestas do país, Kátia Abreu, e como Ministro da Fazenda um
ex-dirigente do Banco Bradesco, Joaquim Levy.
Enquanto isso o governo se vangloria de estar
trazendo para o Brasil os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, gastando milhões
de reais enquanto nossos parentes são massacrados durante o processo de
retomada de seus legítimos territórios.
O Congresso Nacional, paralelamente, tem aprovado inúmeras
leis anti-indígenas, são Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) e leis que
retiram direitos históricos dos povos indígenas, como a PEC 215, que busca
entregar ao próprio congresso (declaradamente anti-indígena) a responsabilidade
pela demarcação de nossas terras e também dos povos tradicionais, e o novo
código mineral, que procura, com o apoio dos partidos da base do governo,
tornar legal a exploração mineral e a construção de grandes hidrelétricas em
nossos territórios. Tudo isso sem consultar os povos indígenas.
Entendemos que a única saída para essa série de
ataques é a construção de uma unidade histórica entre todos os povos indígenas
do Brasil, numa perspectiva autonômica, independente, pautada em nossa
cosmovisão, princípios e práticas que negam tanto o individualismo que nos
impede de ver além de nos mesmos, quanto a deformada e forçada concepção
coletivizadora, que nos engessa, negando a possibilidade da diversidade e
pluralidade. Em contraposição ao universo, apresentamos o multiverso, a
construção do bem viver.
Nesse sentido, acreditamos que nós devemos ser os
autores únicos de nossa própria história, escrevendo nossas páginas sem
depender de órgãos governamentais ou instancias de decisão externas a nossa
própria forma de organização. Temos o direito de garantir nossas próprias
estruturas e estratégias de segurança, nos defendendo dos ataques de jagunços e
pistoleiros que agem a mando daqueles que querem roubar nossos bens naturais.
Devemos fazer nossa própria demarcação de terras, autodemarcação, de acordo com
nossos parâmetros e necessidades, sem depender de ninguém para que isso seja
feito.
Tudo isso se justifica, pois atualmente não estamos
somente sendo explorados, mas sim massacrados pelo agronegócio, entre outras
forças, que buscando ampliar seus espaços, derrubando a floresta, implementando
monocultura e gado, não exita em nos eliminar fisicamente, homens, mulheres,
idosos e crianças indígenas.
Igual como foi feito com nossos conhecimentos
tradicionais, roubados pelos não índios, também devemos aprender a usar as
novas tecnologias a nosso favor, facilitando nossa comunicação e articulação
com outros parentes, mesmo àqueles que moram em locais muito distantes de onde
estamos, porém devemos saber também que é necessário tomar cuidado com esses
instrumentos, pois muitas vezes eles são usados para nos monitorar e até mesmo
para nos criminalizar.
Reafirmamos que não é possível fazer uma plena e
real agroecologia em nossos territórios sem que todos os graves problemas aqui
apontados sejam superados, de outra forma, faremos somente ações parciais,
totalmente insuficientes na construção do equilíbrio ambiental e social,
necessários e urgentes.
Não podemos concluir este documento sem expressar
nossa mais completa indignação com o genocídio que os povos indígenas vivem
hoje no Brasil, incluindo aqueles expulsos de suas terras pelos grandes
projetos de infra-estrutura. Também não podemos deixar de afirmar nossa total
solidariedade à Nação Guarany-Kaiowa, povo que neste exato momento é vítima de
um etnocídio implementado pelo estado brasileiro em aliança com latifundiários
e outras forças políticas e econômicas do Mato Grosso do Sul e do Brasil.
Exigimos que essa agressão cesse imediatamente e convocamos todos os parentes a
se somarem a luta dos Guarany-Kaiowa. Somos todos Guarany-Kaiowa.
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