água de lastro ballast water
Em agosto de 2004 a Revista de Ecologia do Século 21 – ECO21 [1], publicou matéria do jornalista científico Júlio Ottoboni com o título “Navios roubam água do Rio Amazonas”, alertando sobre o fato de navios carregarem água do Rio Amazonas antes de saírem de águas brasileiras, o que se configuraria como um furto de água doce ou, ainda mais grave, junto com o recolhimento da água estaria havendo o recolhimento e furto de espécies aquáticas endêmicas da Amazônia, que seriam transportadas nesta água. Ainda, de acordo com o artigo, cada navio estaria, “segundo cálculos preliminares”, sendo abastecido com 250 milhões de litros de água (250 mil toneladas).
A notícia é importante e merece ser analisada, ainda que a quantidade de água dita sendo transportada não proceda, uma vez que navios que transitam pelo Rio Amazonas transportam, tipicamente, até 60 mil toneladas de carga, muito aquém da quantidade estimada nos “cálculos preliminares”.
O valor da água doce para consumo em países que dependem de desalinizar água do mar é conhecido, o interesse pelas espécies endêmicas da Amazônia e seu valor genético também é sabido e notório, e o cenário descrito no artigo é verossímil e perfeitamente factível.
O fato de haver transporte de água do Rio Amazonas, e de fato há, com as conseqüências relatadas, ainda é, no presente, subsidiária à sua finalidade, a de lastrear os navios dar-lhes estrutura e estabilidade para navegação em alto mar. Nos casos em questão, navios que trazem carregamento para a região amazônica, insumos eletrônicos e combustíveis, para citarmos apenas dois, devem se lastrear para a viagem de retorno quando sem carga.
O mais grave ficou por ser noticiado, que é a situação inversa, quando navios adentram a bacia Amazônica vindo buscar carregamento, bauxita e soja, para citarmos também apenas dois, podendo chegar lastreados com águas de outras regiões da Terra, com características físico-químicas diferentes e nela contendo agentes patogênicos e organismos exóticos à biota local, resultando em risco ecológico que não se prende somente à região amazônica, mas é uma preocupação mundial.
O valor genético das espécies amazônicas reside no seu endemismo, na sua especificidade, na diferença com as espécies de outras regiões da Terra. O endemismo ocorre devido às características particulares de um ecossistema, o qual, se alterado, compromete a sobrevivência das espécies a ele adaptadas, levando muitas delas à extinção. O derrame de água de lastro, se feito sem controle, de maneira incompetente ou irresponsável, pode resultar em desastre ecológico irreparável. É consenso internacional que o derrame de água de lastro pode ser uma ameaça maior do que aquela associada a um derrame de óleo pois estes têm conseqüências limitadas no tempo.
A resposta internacional ao problema da água de lastro é a iniciativa conjunta da International Maritime Organization - IMO, da Global Environment Facility – GEF e do United Nations Development Programme – UNDP, que buscam minimizar os efeitos da descarga de água de lastro de maneira inadequada, resultando na Convenção Internacional Sobre Controle e Gestão da Água de Lastro e Sedimentos de Navios, da qual o Brasil é signatário. Dentre os procedimentos previstos pela Convenção, estão o tratamento químico da água de lastro, sua retirada para reservatórios apropriados ou a troca de lastro sob condições controladas.
A resposta brasileira a este problema é a regulamentação dos procedimentos através da Norma da Autoridade Marítima para o Gerenciamento da Água de Lastro de Navios, a NORMAM-20 [2]. De modo geral a Norma preconiza a troca controlada da água de lastro trazida pelo navio por água da região próxima ao porto de destino em local a pelo menos duzentas milhas da terra mais próxima e com pelo menos duzentos metros de profundidade, ou seja, no limite da plataforma continental. Em seu capítulo terceiro, que trata de situações particulares, instrui também, para navios que demandam o Rio Amazonas, duas trocas da água de lastro, a primeira visando evitar a transferência de exóticos e/ou patogênicos, a ser realizada segundo as diretrizes gerais, e uma segunda troca, visando a redução da salinidade da água de lastro, que deve ser realizada nas proximidades de Macapá.
O problema requer a conscientização das pessoas envolvidas com água de lastro, treinamento de marítimos e funcionários de terminais portuários, acompanhamento e fiscalização. As transferências de água de lastro e suas conseqüências serão, possivelmente, o maior desafio que a indústria da navegação enfrentará neste século.
Endemismo: fenômeno da distribuição das espécies (ou subespécies) animais ou vegetais referida a uma área restrita e mais ou menos isolada (Glossário da Embrapa)
Endêmicas: são as espécies características de um local ou região geográfica (Glossário da Embrapa)
[1] Ottoboni, J. Navios roubam água do Rio Amazonas - Revista de Ecologia do Século 21 Edição 93 Tricontinental Editora Ltda. Rio de Janeiro RJ 2004
[2] Stopping the ballast water stowaways! - International Maritime Organization - IMO, Global Environment Facility – GEF, United Nations Development Programme – UNDP London United Kingdom 2001
[3] Norma da Autoridade Marítima para o Gerenciamento da Água de Lastro de Navios – NORMAM-20 - Diretoria de Portos e Costas – Marinha do Brasil Rio de Janeiro RJ 2005*
Publicado no "Jornal das Águas", Edição 23, Coordenação de Extensão do ILES/ULBRA - Santarém, PA
quinta-feira, 29 de março de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário